Estamos no último domingo do ano litúrgico. Enquanto o ano civil termina em 31 de dezembro, o ano da Igreja está terminando hoje e nada mais justo do que celebrar o seu coroamento com o dia de Cristo Rei do Universo.
- JESUS CRISTO É REI?
Quem respondeu a essa pergunta foi o próprio Jesus. Nos momentos do julgamento, Pilatos fez esta pergunta, que estava incomodando a todos: “Tu és o Rei dos Judeus?” Ele respondeu: “Tu o dizes: eu sou rei. Para isso nasci e para isso vim ao mundo.” Mas “rei”, naquele tempo, era um homem conquistador, que punha todo mundo aos seus pés e saía dominando pela espada os povos vizinhos. Quanto mais longe ia o furor da sua espada, mais era respeitado como rei. Alexandre Magno ficou famoso na História pelas suas conquistas bélicas. Pilatos achou estranho ter um rei tão manso, de mãos atadas, em sua frente. Ele achou Jesus “um rei diferente”, muito diferente. Também era difícil para Pilatos imaginar o rei que era Jesus diante dos padrões do seu tempo. A pergunta implícita de Pilatos era esta: “Onde estão teus exércitos?” Então, a pergunta importante para nós a esta altura é “Em que consiste o Reino de Deus?”
-O QUE É O “REINO DE DEUS” OU O “REINO DOS CÉUS”?
É o domínio régio de Deus sobre nós. Como o seu reinado é o reinado do coração, o Reino de Deus é este viver fraterno de todos nós, que nos amamos por amor a Ele. “Trata-se de um modo de viver, aqui e agora, na presença divina invisível, mas percebida pelos seus sinais.” (Frei Clarêncio Neotti OFM in “ Ministério da Palavra – Ano A” – pag. 163).
-Como o coração humano é exclusivista, o Reino não advém sobre o coração humano que estiver já dominado por outro apego (os bens materiais, por exemplo)
- O Reino de Deus tem duas fases: uma atual, escondida e humilde, aqui na terra; a outra, futura, em glória e esplendor.
-Não confundir “Reino dos Céus” com “Paraíso Celestial”. Esse é a segunda fase do “Reino dos Céus”.
-COMO ENTRAR NO REINO DOS CÉUS?
Todo mundo quer entrar no Reino dos Céus. É só perguntar diante de uma multidão reunida para se ouvir o murmúrio do assentimento. Para entrar nele, o evangelho de hoje nos diz claramente o que fazer. É só “tratar bem a Jesus”, o qual continua a viver no nosso meio. E quais são as feições de Jesus para podermos reconhecê-lo neste mundão de Deus? “Cristo tem as feições das crianças abandonadas ou golpeadas pela deficiência física ou mental, as feições do jovem desorientado, as feições dos indígenas, que vivem em situação desumana, as feições dos camponeses sem terra, enganados pelo sistema comercial, as feições dos subempregados, as feições dos favelados, que devem viver ao lado da ostentação da riqueza, as feições dos velhos abandonados.”
A liturgia nos relata a paixão de Jesus, na qual Ele aparece como Rei. Onde está, ó Rei, o teu reinado? Onde estão teus súditos leais? Aonde se foram os incondicionais discípulos? Como ficaram todos os teus projetos bem-aventurados? Como é que esse, que se apresenta como rei-dos-judeus, nasceu de uma mulher, brinca com as crianças, atende os pobres e doentes, trata com todo tipo de pecadores e condena nossas leis humanas? Assim todos, por temor, desencanto ou indignação... Foram abandonando aquele Rei. Bem, nem todos. Lá estava Maria, algumas mulheres e João. E havia mais um, o da última hora: Dimas. Somente Dimas não empregou o condicional de quem duvida ou nega, mas o imperativo de quem tem certeza diante do acontecimento que seus olhos presenciam: "Lembra-te de mim". A resposta de Jesus não se fez esperar: "Hoje estarás comigo no Paraíso".
Aquele Rei e o seu Reino não terminaram. Aquele estar com Jesus e participar do seu reinado é o que os cristãos vêm celebrando e prolongando durante séculos. E é o que, neste último domingo do ano litúrgico, queremos especialmente recordar: que Ele é o Rei de toda a criação, o Rei de uma nova história, o Rei de uma nova humanidade.
O reinado de Jesus não é uma proclamação fugaz e oportunista, não é um discurso fácil e barato. É, nem mais nem menos, um devolver à humanidade a possibilidade de voltar a ser humana segundo o plano de Deus: a possibilidade de reempreender aquele caminho perdido que Deus oferecera outrora, e que uma liberdade não vivida na luz, na verdade e no amor, mandou para o espaço. O reinado de Jesus é esse espaço de nova história na qual é possível viver como filhos de Deus, como irmãos diante dos homens e diante de toda a criação.
Este reinado já começou e muitos homens e mulheres viveram assim. Mas também quantos ainda não vivem assim, nem diante do Pai Deus, nem diante do irmão homem, nem diante da irmã criação! Por isso, é um Reino de Jesus que está apenas começando, que se encontra sem terminar, sem sua plenitude final. Só existe um trono e este pertence a Deus: e nesse trono se oferece liberdade. Toda suplantação desse Rei suporá um caminho de escravidão, de inumanidade, de corrupção, como demonstra a história de sempre e a mais recente. Por Jesus Cristo Rei e por esse Reino é preciso continuar trabalhando, construindo-o cotidianamente com cada gesto, em cada situação e circunstância, para ir desterrando e transformando o que em nós e entre nós não corresponda ao projeto do Senhor.
Assim seja!